18 de ago. de 2017

NEM TUDO QUE RELUZ É OURO - BANDA APANHADOR SÓ SUSPENDE ATIVIDADES APÓS ACUSAÇÃO DE MACHISMO


A banda gaúcha Apanhador Só anunciou a suspensão de suas atividades nesta quinta-feira (17), após o guitarrista Felipe Zancanaro ser acusado de agressão por uma ex-companheira.

Nesta quarta-feira (16), a apresentadora Clara Corleone publicou em seu perfil no Facebook um longo relato sobre seu relacionamento com o músico há três anos.

Na publicação, Carla diz que foi agredida por Zancanaro em uma ocasião. "Tentou me segurar, não mediu força e quebrou meu dedo. Eu dormi, farta, machucada, e só no outro dia percebi que estava com o dedo quebrado", escreveu.

Corleone também afirma que foi traída cerca de 40 vezes pelo guitarrista enquanto ele viajava com a banda, além de ter sofrido violência psicológica. "Usou de todo tipo de artimanha psicológica, eu pensei que estava ficando louca e, de fato, quase enlouqueci." Confira o depoimento:

"estávamos deitados na cama. era dezembro e fazia um calor absurdo. no banheiro, o exame de gravidez, desses de farmácia, descansava em cima da pia. eu havia desmaiado tantas vezes que cogitamos essa possibilidade. ele disse então, do nada, que o berço poderia ficar ali, ó, e que nos três primeiros anos a gente nem precisaria se mudar. só depois, quando a criança crescesse, seria importante achar um lugar de dois quartos.

fazia três anos que - durante um relacionamento que durou cinco - eu perguntava se ele havia ficado com alguém quando voltava de viagem. eu perguntava não sei pq, já que meu sexto sentido é um troço mais certo que a morte. eu perguntava já sabendo. eu perguntava e ouvia sempre a mesma resposta. mesmo quando vi menina escrever no facebook - e não inbox, na timeline. mesmo quando contraí uma doença cujo tratamento seria x se fosse dst e y se não fosse, mesmo eu explicando "amor, isso é a minha saúde, por favor me fala a verdade", mesmo assim: ele sempre mentiu.

durante todas as turnês e viagens, meu comportamento era o mesmo: em casa, uma ou das garrafas de vinho, vendo sex and the city. se eu saía - era raro - saía com os nossos amigos ou com a preta. depois voltava pra casa ou ia dormir na casa de amigos. uma vez ele ligou e eu disse "você fica viajando pra cima e pra baixo, botei um homem lindo e talentoso pra dormir aqui" e ele, na mesma hora "pirula, roger ou sebo?". algumas pessoas achavam super descoladão o felipe não encucar de eu dormir na casa dos meus amigos. acontece que o felipe não implicava com quem ele sabia que não precisava implicar. outros homens com quem ele achava que podia rolar alguma coisa, ele também não se preocupava - eu não me aproximava. ele dizia "esse cara é um babaca" e eu concordava, me afastava. sabe o que eu fazia? eu mostrava se recebia uma mensagem, um inbox. eu contava tudo. inclusive quando eu traí o felipe, eu contei. "fiquei com uma pessoa". eu contei. para ser honesta, isso aconteceu três vezes, duas eu contei, uma realmente não contei - não tem comparação com o que ele fez comigo, mas de fato eu errei e uma vez fui desleal.

pq o negócio pra mim aqui é a lealdade. foda-se a fidelidade. pra mim, clara corleone. foda-se. eu amava meu marido eu fiquei com três pessoas durante nossa relação, isso não tem nada a ver com não amar, mas em duas situações eu contei, fui leal. numa, fui covarde e babaca.

sabe quantas vezes o felipe foi desleal comigo? tá sentada?

mais de quarenta.

eu desconfiava que ele fazia essas coisas, pq no terceiro ano da nossa relação, depois de passar semanas em que eu sentia uma coisa estranha e não sabia o que era, chorava a toa, ele finalmente disse - por telefone, como o covarde que sempre foi - que tinha ficado com duas meninas. eu perdoei, mas nunca esqueci, e os próximos dois anos da nossa vida juntos vieram sob o peso dessa desconfiança, dessa mágoa, dessa dor.

eu tenho amnésia alcoólica e, se acordava sem lembrar o que tinha feito e ele estava carrancudo, eu corria pra me desculpar. se ele continuasse insistindo no meu erro, o que eu fazia? "aquela vez que você ficou com duas meninas, seu filho da puta", etc. fomos dois idiotas, não tínhamos que ter insistido nessa relação. principalmente pq o felipe nunca me prometeu que não faria de novo. eu chorava, eu implorava, eu sofria e ele dizia "não posso prometer, não posso prometer", eu chorava desesperadamente e dizia "olha como eu tô sofrendo, você quer que eu sofra assim?" e ele dizia "não posso prometer, não posso".

a eminência de uma nova infidelidade pairava a nossa casa. e, num delírio digno de romance vitoriano, eu acreditava que conseguiria afastar o mau agouro.

como?

SENDO A MELHOR ESPOSA QUE VOCÊ RESPEITA.

name it, eu fiz. a casa sempre um brinco? receitas maravilhosas? lingerie nova? luz de velas? champanhe na geladeira? surpresinhas? andar na ponta do pé pra não acordar o honorável músico que dormia obrigatoriamente até mais tarde? ir em absolutamente todos os shows? sexo oral de manhã? sexo sem ter vontade? planejar viagens? em 95% dos casos pagar pelas viagens sozinha?

check, check, check, check.

name it, eu fiz.

era esse o feitiço que tinha que jogar pra afastar as outras mulheres? então beleza. eu precisava manter o meu casamento. eu precisava manter aquele homem bonito, engajado, talentoso, comigo. que tipo de mulher eu seria se fracassasse nisso?

quanta tristeza. que desespero que me dá ver meninas nessa situação. dói.

aí finalmente, numa noite em que ele havia voltado de turnê, saímos pra jantar. lá, ao desconfiar de uma história muito sem pé nem cabeça, perguntei pela enésima vez consecutiva: "você me traiu?" e, finalmente, veio. foi um atrás da outra, só na cabeça - sim. muitas vezes. mais de quarenta mulheres. na frente de toda a banda. trepando no banheiro, no hotel. sim. muitas vezes não usei camisinha.

depois disso, me senti tão incrivelmente mal que me tornei um troço qualquer, tipo um fantasminha de mim mesma. fiquei muito magra. e não contei pra ninguém. não contei pra ninguém. nem pra mãe, nem pra preta, nem pro fisch, ninguém. passamos mais seis meses juntos. foi o pior período da minha vida. eu me sentia uma merda, uma bosta, uma incapaz, uma nojenta. eu tentava fazer o meu casamento dar certo, eu chorava no banheiro do trabalho, eu fazia tudo pra agradar ele, ele me dizia que agora estava tudo bem, pois era não contar aquelas coisas que fazia ele sofrer, e agora ele estava bem. ele nunca me pediu perdão. ele nunca prometeu não fazer mais.

eu me sentia culpada e ele trabalhava a todo o vapor para me fazer sentir culpada. numa festa, sem querer bateu no meu nariz e ele sangrou. corri pro banheiro, com vergonha, e ele, bêbado, ficou batendo pedindo pra entrar. eu disse que não, ele aproximou a boca da porta e disse "então vai se foder". quando eu saí do banheiro, pedi que ele fosse embora pois a festa era de amigos meus do colégio, não eram amigos dele, e ele se recusou. meu melhor amigo teve que me levar em casa, saí fugida da festa me sentindo mal, quando não tinha feito nada de errado. em outra ocasião, tive um surto de raiva e comecei a pegar as camisas dele no cabide para colocar pra fora da casa, mandando que ele fosse embora, e ele se recusava. tentou me segurar, não mediu força e quebrou meu dedo. eu dormi, farta, machucada, e só no outro dia percebi que estava com o dedo quebrado. pedi que ele lavasse me cabelo para que a gente pudesse ir na clínica, mas o gênio da música gaúcha era músico e precisava dormir, como eu me atrevia a pedir que ele levantasse para lavar o meu cabelo? e, depois que saí da clínica com o braço enfaixado, ele me perguntou, frio, fumando um cigarro, o que eu ia dizer. passou os próximos dias acompanhando eu mentir a mesma história. no trabalho. pros amigos. pros meus pais. pros dele.

quando finalmente nos separamos, ele ainda com essa índole de garoto mimado, passei por episódios horríveis e traumatizantes como ter meu ex marido não me atendendo no telefone quando nossa cachorra ficou doente - eu não estava ligando incessantemente como uma louca, mas estava acostumada a dividir essas responsabilidades, essas dores, com ele, e a cachorrinha afinal era dos dois. depois, ele simplesmente resolveu que a billie, a ella e a morena não eram mais um problema dele e nunca mais ajudou - nem financeiramente, nem ficando com elas quando eu precisava viajar. perdi algumas oportunidades de trabalho e de lazer. detalhe: a ella e a morena foi ele quem quis adotar, e não eu.

nesse dezembro muito quente, após já saber que ele tinha me traído dezenas de vezes e antes dos 6 meses de terror que ainda passaríamos juntos, interrompi seu lindo discurso de onde ficaria o nenê para dizer a coisa mais forte que já disse pra alguém. eu falei muito calmamente, aquele calor modorrento, eu olhando pro teto. eu falei muito calmamente, acho que foi um dos momentos mais lúcidos da minha vida. eu disse apenas "se eu estiver grávida, vou abortar. eu jamais teria um filho com uma pessoa tão egoísta".

por isso, senhoras e senhores, é que considero um tapa na minha cara que a banda do felipe, a apanhador só, escreva e toque e grave uma música que se chama "linda, louca e livre", um dos gritos de guerra das feministas. não há nada de feminista ou de desconstruído nesse músico e, mesmo que não seja ele o autor da canção, acho uma piada de mal gosto imensa que o felipe fique no palco tocando ela durante os shows. acho histérico. o felipe teve um relacionamento aberto com uma mulher que acreditava estar vivendo um relacionamento fechado. foi cruel, irresponsável com os meus sentimentos, desleal, covarde. usou de todo tipo de artimanha psicológica, eu pensei que estava ficando louca e, de fato, quase enlouqueci. não pode, agora, a banda tocar uma música que pague de bacana sobre como o homem deixa a mulher livre para ser o que ela quiser dentro duma relação. pra cima de moi não vai rolar. quer ter uma relação bela e adulta com alguém? seja honesto, tenha respeito, tenha carinho. tudo isso faltou. faltou pra caramba.

a coisa mais acertada que fiz foi não ter tido um filho com esse cara. espero que vocês levem em consideração essa história - ainda hoje dolorosa e difícil de contar - quando forem entoar os versos dessa canção nos shows.

nem tudo que reluz é ouro."


Em seu perfil na rede social, Zancanaro publicou um pedido de desculpas à ex-companheira e admitiu ter errado. "À Clara, por tudo que lhe causou sofrimento e mágoa, peço desculpas, assim como a todas as pessoas que decepcionei", escreveu. Confira o depoimento:

"Cometi muitos erros dentro da minha relação com a Clara. Meu comportamento infiel causou muito sofrimento e mágoa, e não há dúvidas de que os sentimentos dela são genuínos. Me arrependo muito pelo meu comportamento na época e entendo o posicionamento da Clara, embora a complexidade de uma relação não caiba em um post de facebook. Hoje, três anos depois do término da relação, num processo que desde então envolveu conversas com várias pessoas e muita reflexão, eu venho fazendo uso dessas drásticas experiências pra buscar não reproduzir mais esse tipo de comportamento. Tem sido uma luta diária e um exercício forte de auto-crítica. Venho buscando desconstruir essas ações e participar cada vez menos das lógicas que acabam perpetuando o machismo na sociedade. Eu sou fruto de uma formação machista. Isso não justifica os meus erros, nem retira a minha responsabilidade sobre meus atos, mas é algo que tenho buscado assumir, enfrentar e mudar. À Clara, por tudo que lhe causou sofrimento e mágoa, peço desculpas, assim como a todas as pessoas que decepcionei. Sigo aprendendo."

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